“Captação de recursos significa ter uma equipe dedicada a pensar em ideias criativas para trazer as doações, a aproximar a organização da comunidade, a defender que ela seja o mais transparente possível e etc. Captar recursos é, principalmente, ter pessoas na organização que entendem que o trabalho delas é fundamental para conseguir os recursos tão importantes para que a ONG tenha impacto e seja transformadora na sua atuação, cumprindo integralmente a sua missão.” A seguinte definição é da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), que destaca a importância ter uma equipe empenhada e pessoas que entendam o papel que desempenham dentro e para a ONG.
Falar de captação de recursos sem falar de comunicação é (quase) praticamente impossível. Para compreender essa dinâmica entre as duas áreas, o Gecom entrevistou a analista de projetos e mobilizadora de recursos da organização civil e filantrópica-escola de educação integral Solar Meninos de Luz, Mayra Andrade, e a analista de comunicação Raquel Maia, também da mesma instituição, que atende as comunidades do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, em Copacabana.
“O processo de mobilização de recursos eu considero que é um processo diário, que vai envolver toda a instituição, não necessariamente só a figura do mobilizador de recursos”, afirma Mayra Andrade.
“A Comunicação acaba funcionando como um portal, uma vitrine de relacionamento. Ela acaba sendo a ponte entre essas pessoas, essas oportunidades e a instituição”, complementa Raquel Maia.
Mayra Andrade é formada em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pós-graduada em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dá aula de Incentivos Fiscais como ferramenta de mobilização de recursos, como professora convidada nessa mesma pós. Atua com Leis de Incentivo desde 2012 e no Solar desde 2015. Em 2018, participou do International Visitor Leadership Program, o principal Programa de intercâmbio profissional do Departamento de Estado dos EUA, com o tema "Construindo a Sociedade Civil: Estratégias para o Fortalecimento e Sustentabilidade das ONGs".
Raquel Maia é designer gráfica, web designer, fotógrafa, trabalha como analista de comunicação no Solar Meninos de Luz, desde 2018. Há 17 anos no mercado, encontrou no terceiro setor um propósito de vida e o desafio de trabalhar uma comunicação voltada não só para a mobilização de recursos, mas, também, de engajamento pessoal, a fim de promover a responsabilidade social, por meio de campanhas e ações estratégicas de marketing.
Gecom: Conte um pouco sobre essa relação entre as áreas da Comunicação e da Captação de Recursos.
Mayra Andrade: A gente tem um cenário em que as grandes empresas normalmente solicitam que seus grandes projetos estejam contemplados em algumas ações que há um incentivo fiscal por parte do governo seja na esfera municipal, estadual ou federal. Então, isso é um atrativo. Eu especificamente utilizo esses mecanismos como uma ferramenta de mobilização de recursos, mas certamente esse trabalho é conjunto. Ele é uma perna desse projeto. Ele tem um time que vai executar essa ação. No Sola, tem o pessoal da Comunicação que faz uma prestação de contas no sentido de divulgação de imagem. Mas a minha função é bem prática. Então, não necessariamente o projeto que eu escrevo, sou eu mesma que vendo. Tem outras pessoas na equipe que faz isso. A gente faz a prestação de contas aqui internamente, e por ser um trabalho muito sério, bem trabalhoso, eu acabo focando mais em cumprir essas exigências do que ir vender sempre nas empresas. A gente já tem um portfólio de apoiadores que foi construído ao longo dos 30 anos da instituição que ajuda bastante nessa venda. É um trabalho de formiguinha. São relações que são construídas ao longo do tempo. A não ser que seja um edital bem específico, em que a empresa diz exatamente o projeto que quer e se a gente tem um projeto que se assemelha, a gente se inscreve. O processo de mobilização de recursos eu considero que é um processo diário, que vai envolver toda a instituição, não necessariamente só a figura do mobilizador de recursos.
Raquel Maia: A Comunicação no Solar funciona como um braço aliado da Captação. A função da Comunicação é uma sustentação das necessidades da Captação. Então, além de trabalhar a parte institucional, que a gente chama de reconhecimento da marca, da identidade da instituição, a gente junto com a Captação, que percebe as necessidades do momento e leva para a Comunicação, juntas decidimos o melhor caminho pra que a campanha, um evento ou um projeto se encaminhe da melhor forma. A Captação percebe a necessidade e leva essa demanda para a Comunicação, que começa a perceber os caminhos pra que a gente possa através das ferramentas de comunicação existentes encontrar os caminhos para o melhor trabalho. Dentro desse caminho a gente vê que as redes sociais têm um papel muito importante. Não só para desenvolvimento de campanhas, mas também até para prestação de contas. A Comunicação faz esse papel da parte visual, pois é importante o projeto ter esse reconhecimento, a identidade visual dele. É importante que os valores, a missão eles estejam alinhados e presentes em toda a Comunicação seja ela escrita ou visual.
A Comunicação acaba funcionando como um portal, uma vitrine de relacionamento, onde a gente expõe as necessidades sejam elas financeiras, materiais ou serviços. Ela funciona nessa parte de relacionamento até a outra ponta, que é onde você tem uma demanda, investidores, voluntários ou pessoas decididas a investir ou trazer um projeto para o Solar. A Comunicação acaba sendo a ponte entre essas pessoas, essas oportunidades e a instituição e vice-versa. A instituição também coloca ali à disposição as necessidades que ela tem no momento.
Mayra Andrade, analista de projetos e mobilizadora de recursos. |
Gecom: Quais os desafios e as oportunidades que vocês encontraram na captação de recursos no período da pandemia?
Mayra Andrade: A pandemia foi muito positiva no sentido fazer com que a gente precisasse se reinventar. Eu digo positiva nos resultados que a gente colheu ao longo desse tempo. Talvez não seja o cenário de toda a instituição do terceiro setor. Mas o que a gente fez aqui internamente? Todo o time do administrativo, todo o time da comunicação se voltaram para a mobilização de recursos. Então, a gente criou diversas campanhas. Obviamente, no primeiro momento, pensamos numa situação emergencial, a gente estava lhe dando com pessoas que não tinham mais o que comer, não tinha o que vestir. Então, focamos nossos esforços no atendimento das famílias, no atendimento da comunidade. A Comunicação, nesse sentido, foi muito positiva. Basicamente, a nossa estratégia toda foi rede social. Produção de conteúdo para Instagram, principalmente, bastante produção de vídeo, Youtube. A gente recorreu às lives, porque era um momento que a gente precisava mostrar ainda mais a nossa importância. Precisávamos reforçar todo o trabalho que a gente já executava aqui e o porquê ele não poderia parar. Foi um momento muito trabalhoso, mas que rendeu excelentes frutos. Não ficamos um dia sem atividade. Nenhum funcionário foi demitido. A gente manteve todos os programas. Foi uma soma mesmo de forças. Isso está com certeza atrelada a uma equipe dedicada, multidisciplinar. Eu, no primeiro momento, fiquei buscando apoiadores, empresas que estavam interessadas em mitigar os efeitos da pandemia. Não importava se a gente fosse desenvolver o projeto da música. O esforço foi de mitigar esses efeitos nas famílias que a gente já atendia. Foi um trabalho conjunto que trouxe excelentes frutos, também de visibilidade. Como a gente fez esse esforço maior de Comunicação nas redes sociais, também acabou chegando novos apoiadores. A gente percebeu que foi um momento histórico de engajamento por parte dos incentivadores, das empresas. A gente viu muitas se mobilizando, doando recursos. As organizações que estavam bem estruturadas, que conseguiram escrever seus projetos, acabaram recebendo esses recursos e sendo intermediários. A gente recebia esse recurso, prestava contas pra esse investidor, mas também ficávamos responsáveis por esse atendimento na ponta.
Raquel Maia: A Comunicação do Solar, historicamente, trabalha sua prestação de contas através do registro de suas atividades que acontecem diariamente na instituição. Quando a gente entra numa pandemia com todas as atividades suspensas, a Comunicação passa a depender exclusivamente do material produzido pela equipe pedagógica. E aí houve uma aproximação maior entre essas duas equipes que foi um ganho excepcional nessa questão de conteúdo, porque algumas atividades que a gente não tinha acesso no dia-a-dia, elas ficaram ali visíveis e transparentes pra gente. Então, passamos a pensar em usar todas essas ferramentas que eles trabalhavam, Whatasapp, Google Class, todo esse conteúdo produzido, registrado, ficava à disposição. Um material riquíssimo para a gente trabalhar. Uma das ferramentas muito importantes na Comunicação aqui foram as redes sociais, especialmente os stories. Permite que a gente trabalhe com storytelling, que é uma coisa que cativa, que faz com que as pessoas acabem participando da história da instituição. Elas puderam acompanhar o que estava acontecendo. Além do material produzido pela equipe pedagógica, a gente teve uma surpresa agradável que foi uma colaboração dos próprios pais, um entendimento e a importância desse trabalho de Comunicação, de mostrar o trabalho sendo feito para os nossos investidores. Isso foi muito legal, nós percebemos uma conscientização de famílias e da própria equipe de funcionários. Trabalhar todo mundo junto foi muito importante.
Raquel Maia, analista de comunicação. |
Gecom: A partir dessas experiências e observações, é possível dizer que já existe uma nova forma de captar recursos ou ainda está se criando uma nova tendência?
Mayra Andrade: Percebo que o mercado tem buscado cada vez mais projetos que tenham uma relevância social. Não estão mais interessados só na divulgação da sua marca. Pelo contrário, aqui no meu setor eu percebo um movimento cada vez maior de empresas que não querem veiculação de marca. Elas fazem patrocínio sem nenhum tipo de contrapartida de imagem. As contrapartidas estão muito mais ligadas à questão de experiência do que a marca em si. A gente vê que o financiamento coletivo ganhou muita força e tem grandes ferramentas de captação de recursos pra isso. Se você não consegue chegar até um empresário, se você não consegue captar na iniciativa privada, mobilize sua rede de amigos. A captação com pessoa física é um movimento que percebo que cresce cada vez mais. Você pode conseguir recursos através das redes sociais. Fique atento às novas tecnologias. Certamente, a Comunicação tem um papel fundamental, porque os projetos precisam ser vistos. Ao vender um projeto, automaticamente há uma pesquisa nas suas redes, verificam se existe algum histórico. Então, tem que ter uma comunicação, muita transparência. Ela é uma das principais ferramentas de fidelização. Outra prática bem usual é ter uma aba de transparência no site. No Solar, além de uma documentação institucional, divulgamos os relatórios de atividades e balanços fiscais. Além de trazer transparência e credibilidade para o público, acaba passando uma segurança também para o investidor.
Raquel Maia: As redes sociais são fortes aliadas da Comunicação voltada para a captação e prestação de contas. É muito importante a presença dessas instituições nessas redes, do domínio da linguagem, trabalhar bastante os seus stories, promovendo algumas interações, usar essas ferramentas que estão aí de graça, que estão disponíveis a todos. Fazer uso dos stories, contando sempre uma história, buscando trabalhar storytelling, tentando entender um pouquinho mais sobre essa técnica. Tentar fazer uso dessas ferramentas de engajamento, como as enquetes, perguntas. É importante o envolvimento das pessoas nas redes sociais. Além disso, fazer uso das lives institucionais com temas que sejam pertinentes ao terceiro setor. Nós fomos muito felizes em algumas que realizamos durante a pandemia. Foi uma ótima maneira de a gente se manter conectado com os voluntários, com os padrinhos e de mostrar o trabalho que é realizado aqui no Solar.
Mayra durante o International Visitor Leadership Program, nos Estados Unidos. |
Gecom: Quais dicas você compartilha com os comunicadores para captar recursos neste novo cenário? Como eles devem se preparar?
Mayra Andrade: Antes de você vender um projeto, primeiro você tem que entender qual é a sua proposta, qual é a área de atuação, qual o público que você deseja atingir. E a partir disso, buscar investidores que se conectem com isso de alguma forma. Porque não adianta você chegar numa empresa que só investe em música e querer vender um projeto de futebol. Não vai ter sinergia com a imagem que a empresa quer passar, com a área de marketing. Eu sempre recomendo que antes façam uma pesquisa com empresas do entorno, porque cada vez mais as empresas buscam projetos que atendam sua área de impacto, a sua área de atuação, porque você envolve toda a comunidade. Então, faz muito sentido para o investidor apoiar um projeto de um território que esteja do lado dele, porque isso gera uma aproximação. Façam uma pesquisa antes, entrem nas redes sociais, entrem nos sites, porque normalmente as empresas compartilham seus projetos de responsabilidade social ou marketing e dali se consegue bastante informação. Outro ponto que podemos destacar para o “sucesso” na captação de recursos seria a diversificação das fontes. Aqui no Solar temos, por exemplo: eventos, bazares, captação com pessoa física, captação com pessoas jurídicas (verba direta, editais, e leis de incentivo), convênios (Governo e outras instituições privadas) e financiamento coletivo. Desta forma, ampliamos nossas chances de captação. Indico os sites ABCR e Prosas. A pós-graduação em Responsabilidade Social e Terceiro Setor, da UFRJ, é bem legal e, agora, ela é 100% online.
Raquel Maia: Uma outra dica que eu acho uma das mais valiosas é se aproximar dos seus parceiros, doadores recorrentes, daqueles que estão sempre ali do seu lado. Engajar eles. Às vezes eles trazem ideias, soluções. Tentar trabalhar em parceria, em ação conjunta. Aqui, o Solar trabalha muito bem isso. A gente tem vários padrinhos engajados, que não medem esforços. Eles mesmos criam campanhas. Relacionamento é muito importante. Quando a gente tem esse relacionamento, quando a gente dá um pouco dessa autonomia aos padrinhos, acaba vindo coisas maravilhosas. Em eventos, a gente conta muito com o apoio deles. Então, é muito importante trazer eles pra perto. Diversificar os seus caminhos e se aproximar de seus parceiros. Muito desse relacionamento acontece na interação que você tem nas redes sociais. Participar e se envolver mais nas campanhas comunitárias como o Dia de Doar, acaba sendo beneficiado com essa visibilidade. É um ajudando o outro. Participar de eventos como o Fórum Interamericano de Filantropia Estratégica (Fife). Porque Comunicação é essa troca. O tempo todo estamos trocando informações. É um acertando. É um errando. É tentativa e erro. Não ter medo de errar. Procurar investir quando tiver um dinheiro sobrando em anúncios patrocinados, porque sempre traz um retorno. Essa é a dica que eu dou para vocês.
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