sábado, 25 de outubro de 2025

Jornalismo comunitário: o valor do trabalho em equipe

Equipe de jornalistas do jornal O Cidadão. Da esquerda para à direita, Ana Cristina, Christóvão Carvalho e Carolina Vaz. / Divulgação

“O jornal comunitário é muito mais do que um órgão de informação; é um instrumento de mobilização. É ele que vai estabelecer a verdadeira comunicação entre os membros da comunidade, o debate de seus problemas e a participação de todos nas soluções a serem dadas.” A afirmação é das autoras Ana Arruda Callado e Maria Ignez Duque Estrada, no livro “Como se faz um jornal comunitário”. A construção de um jornal comunitário envolve um trabalho em equipe onde as funções devem ser divididas basicamente em redação, fotografia e diagramação, além da revisão e da arte. Conforme a estrutura do jornal e dos recursos financeiros e materiais disponíveis, outras funções podem ser subdivididas e/ou acrescentadas. Ou seja, a sua produção e confecção podem variar bastante, mas ainda assim, alguns ingredientes são indispensáveis, como planejamento, organização e colaboração entre os comunicadores. 


Na Maré, o jornal O Cidadão é um dos exemplos em que o trabalho em equipe funciona desde quando era impresso e, hoje, como formato online. Sob a coordenação da jornalista Carolina Vaz, os jornalistas Christóvão Carvalho e Ana Cristina formam o time da mídia comunitária mareense.

Confira a entrevista.


Gecom: O que despertou seu interesse pelo jornalismo e o levou a seguir essa profissão dentro da comunicação comunitária?


Ana Cristina: Lá pelos meus 13 anos, já gostava muito de ler e escrever histórias. Em 2011, ingressei na primeira turma do Teatro em Comunidades, realizado no Centro de Artes da Maré (CAM). No ano seguinte, fiz parte de um grupo de Teatro do Oprimido e na peça que montamos eu interpretava uma apresentadora de televisão e uma repórter de campo. Na época, eu já estava pensando no que poderia fazer na faculdade, e uma das opções era Letras, mas depois do Centro de Teatro do Oprimido (CTO) eu comecei a abrir os olhos para o jornalismo.


Lembro que uma vez, uma estudante de jornalismo quis entrevistar nosso grupo para um trabalho de faculdade e eu fui uma das pessoas que falou com ela. Quando me disse que eu falava bem e que deveria tentar o curso, foi uma surpresa pra mim, porque sempre fui extremamente tímida. 


É aí que eu começo a pesquisar sobre o curso e percebo que ele era o ideal. Porque cresci fazendo coisas dentro da comunidade, sentia que a pessoa que eu vinha me tornando, as coisas que aprendia e a consciência social que formava, eram graças aos projetos dentro da favela, seja o curso preparatório, o pré-vestibular, ou os grupos de teatro. E aí, eu sabia que não queria ser jornalista para estar na grande mídia, eu queria ser jornalista para escrever sobre a galera da favela. Eu queria retribuir o que havia recebido da favela. 


No segundo semestre de 2017, ingressei na faculdade e me formei na segunda metade de 2021. Passei um tempo escrevendo matérias para o Portal DaFavela e, em fevereiro de 2022, ingressei no Jornal O Cidadão, onde atuo desde então.


Christóvão: Sempre fui muito comunicativo. Minha mãe conta que eu nem tinha dentes, mas já falava pelos cotovelos. Nunca fui tímido. Nunca tive problemas em me comunicar, de maneira alguma. Pelo contrário, a maior reclamação que meus pais recebiam da escola é que eu conversava demais, que fazia minhas tarefas e atrasava os outros colegas, conversando. Em casa, eu vivia lendo Turma da Mônica. Fui crescendo, e aderindo aos livros. Nos trabalhos com apresentação na escola, sempre fui muito bem. Sempre tive essa sagacidade comunicativa comigo.


Durante o ensino médio, mobilizava todas as turmas em projetos que incentivavam a nossa união, organização e criatividade dentro do tema proposto em cada ano letivo. No caso do terceiro ano, além desse projeto, os alunos deviam escolher uma profissão que gostariam de se graduar. Eu não pensava muito sobre isso, mas comecei a pesquisar profissões que fossem compatíveis com o meu perfil. No fim, entre fazer Letras e Jornalismo, eu preferi ser "profissional em fofoca". E foi muito bacana, porque compramos camisetas personalizadas com os nossos nomes e profissões para usar no último bimestre. Tenho a camiseta até hoje. Tudo começou antes mesmo da graduação.


Assim, logo no ano seguinte, aproveitei que uma colega da minha turma do colégio estava se matriculando na Unisuam e fui também. Fiz o vestibular, consegui um desconto na mensalidade e comecei assim. Inclusive, foi lá que conheci a Ana Cristina.


Conforme fui avançando, percebi que essa era a melhor e a mais arriscada profissão que eu poderia seguir, na minha opinião. Era a melhor, porque era onde queria estar. Era arriscada, porque nem todo mundo consegue seguir na profissão. O mercado é bastante fechado, bem amarrado. Tanto que não foi imediatamente após a faculdade que consegui minha oportunidade. 


Nunca tive proximidade com qualquer produção jornalística na Maré, mas quando estava me formando, nutria uma esperança de um dia trabalhar para a minha base. Era um desejo que tinha, porque sempre gostei de ver "os nossos" nas notícias, nos representando e conquistando qualquer coisa aqui de dentro ou lá fora.


No começo deste ano, a Ana me mandou mensagem dizendo que o jornal O Cidadão, havia aberto uma vaga e me indicou para o processo seletivo. Fui, conheci o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm), a Carolina Vaz (coordenadora do jornal) e o Luiz Antônio (sócio fundador e diretor do Ceasm) e, felizmente, eles me aprovaram e contam comigo.


Hoje, divido meu dia entre o jornal e o meu emprego CLT. É corrido, mas consigo me dedicar e estou muito feliz em estar aqui hoje. O Cidadão é uma ponte que transmite nosso real valor a todos os leitores do território e fora dele. Quem quer abrir a mente, também procura ver por perspectivas que realmente valorizam nossa identidade.


A jornalista e fotógrafa Ana Cristina coloca em prática sua vivência na favela da Maré para realizar seu trabalho no jornal O Cidadão. / Divulgação


Gecom: Você trabalha em parceria com outros jornalistas dentro do jornal O Cidadão. Como vocês dividem responsabilidades e colaboram para produzir conteúdo de qualidade?

Ana Cristina: Desde que comecei, a equipe do Cidadão basicamente se resume a três pessoas. É uma equipe bem pequena para uma demanda tão grande, mas gosto de dizer que o nosso trabalho flui porque tá todo mundo empenhado em ajudar quando o outro precisa. É um trabalho coletivo. No jornal, realizo entrevistas, escrevo matérias e também atuo como fotógrafa. Com isso, também realizo as edições de foto e faço filmagens e edições de vídeo das reportagens do jornal. Normalmente, fico com a tarefa da edição de fotos e vídeos, mas nas demais atividades a gente se divide. Então, contamos muito com reuniões de pauta para definir os nossos trabalhos e com quem vai ficar cada tarefa, por exemplo.


Christóvão: Sendo a Maré dividida entre 15 e 17 favelas, não é fácil manter funções fixas com uma equipe de três pessoas. Por isso, nosso segredo é manter uma versatilidade para produzir com frequência. Só em nosso site produzimos, em média, quatro notícias (bem elaboradas) por mês. Juntando com posts do Instagram, temos uma produção média de 8 conteúdos por mês.


Algo que faz toda a diferença é o entrosamento que temos. Nas reuniões de pauta, sabemos ouvir, dar opinião, trazer sugestões e traçar objetivos, com muita maturidade. Também mantemos uma comunicação constante pelo WhatsApp. E, por sermos versáteis, acabamos conseguindo nos adaptar às situações necessárias. Com cada um do seu próprio jeito, conseguimos nos complementar. Exige interesse e conhecimento em todos os assuntos que nos propomos a abordar, mas somos recompensados com um bom ritmo de postagens para manter a população bem informada sobre o nosso lugar, com uma boa variedade de assuntos que – pensamos nós, o mareense realmente gostaria de ler.


Repórter Christóvão Carvalho destaca o entrosamento da equipe no jornal para realizar um trabalho de qualidade na informação para os moradores do Complexo da Maré. / Divulgação

Gecom: Na sua opinião, como um jornal comunitário pode influenciar positivamente uma comunidade?


Ana Cristina: O jornal comunitário não contribui apenas com a comunidade, mas com quem vive nela. Quando a gente fala sobre projetos, eventos na região, ações sociais, direitos ou demais situações como um problema de água, luz ou a troca do nome de ruas, como aconteceu recentemente na Maré, a gente contribui com a comunidade.


Mas quando a gente fala de um feito importante de um morador ou moradora, quando a gente dá o destaque merecido para as suas narrativas, a gente contribui com a questão da valorização. 


Eu acho que o jornal comunitário tem muito desse papel. Não é simplesmente facilitar o acesso à informação nos territórios de favela, ele contribui incentivando e valorizando essas pessoas que formam a comunidade. Contribui contando e preservando histórias e memórias que a grande mídia invisibiliza.


Christóvão: O jornal comunitário explora notícias relevantes para a base do lugar. Além de divulgar trabalhos, dar voz, ser um canal de diálogo, cobrar direitos, levar informação e evidenciar talentos e profissionais do nosso território, o propósito deste trabalho também é de construir uma memória, muitas vezes, inexplorada pela mídia tradicional. Queremos criar consciência crítica, ajudar a comunidade a se organizar e olhar coletivamente para si.


Em questão de favela, enquanto os grandes veículos ganham mais audiência falando de violência, o jornal comunitário constrói memória e conta histórias que serão lembradas. Lá na frente, as próximas gerações de mareense poderão procurar e encontrar registros do lugar em que vivem. Isso constrói identidade, uma geração orgulhosa de suas raízes que, aliás, é muito forte já hoje. Costumamos utilizar muito a expressão "mareense" no jornal. É um adjetivo de orgulho por pertencer a essa favela. Quem é daqui, sabe olhar pelo prisma que evidencia e valoriza o que é nosso.


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