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Hélio Euclides é jornalista comunitário e um dos criadores do jornal Maré de Notícias. / Crédito: Ângela Beatriz |
Um jornal comunitário estabelece uma relação entre a comunidade e questões de interesse desta, que não teriam espaço na grande imprensa. Ele mobiliza, incentiva a participação dos moradores, estimula debates, valoriza a cultura local e fortalece a identidade da comunidade.
Hélio Euclides é jornalista comunitário formado pela Unisuam e possui experiências enriquecedoras no jornal O Cidadão e no Maré de Notícias, publicações do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm) e da Redes da Maré, respectivamente, duas referências quando se fala de jornal comunitário.
Confira o que Hélio Euclides tem para compartilhar nesta entrevista e a importância de um jornal comunitário.
Gecom: O que te motivou a se formar em jornalismo e a trabalhar no Terceiro Setor?
Hélio Euclides: Quando era criança, acordava com o rádio ligado, na rádio Globo. Um dos programas era do Haroldo de Andrade. Muitas vezes, eu não me sentia representado nas falas. Principalmente quando falava de cidades e não falava das favelas. Então, senti que precisava falar também sobre isso, como um favelado e isso me motivou a ser jornalista. Esse desejo de falar sobre a favela. Falar da favela. A comunicação comunitária tem essa questão no terceiro setor. Na Maré, a gente tem uma instituição que começou o jornal O Cidadão e eu fiz parte logo no início deste jornal. Fiquei quase nove anos nesse jornal e eu aprendi o que era comunicação comunitária. Foi uma experiência muito boa. Conheci outras pessoas que faziam o mesmo trabalho. Fui trabalhando o terceiro setor dentro da Maré, o que me incentivou a fazer faculdade, em que eu sempre coloquei a importância da comunicação comunitária nas aulas de jornalismo. Sempre colocava a voz da favela, representando a favela. Daí partiu esse desejo, mas não de ser a voz da favela. Eu fico muito chateado quando alguém fala numa palestra "dar voz à favela". A gente amplia a voz. A gente é o microfone desse morador. Então, sempre quis ajudar na ampliação dessa voz.
Gecom: Como você passou a fazer parte da Redes?
Hélio Euclides: Eu fazia jornalismo comunitário nessa instituição, o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré. Então, houve a criação da Redes da Maré e eu saí do jornal Cidadão. Depois, fiquei estudando só comunicação. Quando surgiu a ideia de criar um novo jornal na Maré, que foi o Maré de Notícias, fui convidado a ajudar em sua criação com a experiência que eu tinha no jornal O Cidadão. Começar do zero, esse projeto. Foi bem legal essa experiência, porque no jornal O Cidadão, eu já entrei com o jornal criado. São quinze anos do Maré de Notícias, em dezesseis anos de trabalho na Redes da Maré. Pesquisa, debates sobre nomes, sobre o que é comunicação comunitária, apresentar a instituição para mostrar o que era para que todos soubessem a importância de um jornal comunitário para uma favela. Esse foi um momento muito feliz. Fazer comunicação comunitária.
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Hélio, por meio do jornal Maré de Notícias, ajudou a cotar as histórias e o dia-a-dia do morador do Conjunto da Maré. / Crédito: Curso de Extensão Mídia, Violência e Direitos Humanos / Nepp-DH / UFRJ |
Gecom: Recentemente, você era da equipe do jornal Maré de Notícias, da Redes. Conte um pouco sobre essa experiência no jornal e de que forma este informativo e a comunicação contribuem para os resultados da ONG?
Hélio Euclides: É bem interessante, porque um dos projetos da Redes da Maré é esse veículo, o Maré de Notícias, que é um olhar pra favela. Um olhar de dentro pra fora. Muitas instituições falam de seus projetos e tudo, mas o Maré de Notícias tem esse olhar de falar de todos os assuntos da favela. Durante esses quinze anos do Maré de Notícias, que completou em dezembro do ano passado, contamos histórias, o dia-a-dia do morador. Foi muito importante para a Redes ter esse veículo. A instituição agora deu um tempo para reformular esse jornal. Uma das questões é a financeira, patrocínio. Então, espero que volte, porque é importante para a instituição. Quem visita a instituição e pega o Maré de Notícias vê a qualidade desse jornal. O morador percebe a importância desse jornal. Uma construção coletiva da instituição e do morador.
Gecom: Hoje, você está no eixo Educação da Redes. Como a sua experiência em jornalismo tem contribuído de alguma forma nesta nova função?
Hélio Euclides: Eu sempre falo que não dá pra falar do jornal O Cidadão sem falar do Hélio. Não dá pra falar do Hélio sem falar do jornal O Cidadão. Acredito que seja a mesma coisa do Maré de Notícias. Não tem como falar do Maré de Notícias sem falar do Hélio. E falar do Hélio sem falar do Maré de Notícias. Faz parte da minha vida. Não tem como negar. Hoje, estou no eixo Educação da Redes da Maré. Um dos assuntos que eu mais gostei de abordar no Maré de Notícias foi a educação. Então, foi uma escolha da instituição muito boa, de eu ter ido para o eixo Educação. Vou estar sempre ali, ajudando o Maré de Notícias no que precisar. Contar minhas histórias. Falar da fundação. Vou estar sempre ali para ajudar a reconstruir o Maré de Notícias.
Vou escrever sobre esses projetos da instituição dentro da Educação, mas eu vou ter uma articulação maior com as escolas. Por exemplo, eu faço um trabalho em uma das escolas que é uma aula-letiva junto com os professores sobre jornal. Vou dar continuidade neste ano e iniciar uma coisa nova em uma escola que está escrevendo um livro. Fui lá como um consultor para ajudar na construção deste livro que conta a história desta creche. Vai ser muito bom isso, trazer o que eu conheço de jornalismo para dentro desse eixo. Vou continuar a escrever matérias e estar na escolas levando jornalismo para as escolas.
Um dos assuntos do meu mestrado é o Maré de Notícias. Eu não conseguia escrever enquanto estava dentro do jornal. Essa oportunidade de estar do lado de fora, olhando o Maré de Notícias, acho que vai ser bom durante esse período de mestrado. Vou contar minha experiência e, também, como leitor falar do Maré de Notícias. Será um momento novo e bom, agora como pesquisador.
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A falta de projetos de captação de recursos para a sustentabilidade das mídias comunitárias é um dos desafios da comunicação comunitária e do terceiro setor. Crédito: Elisângela Leite |
Gecom: Em sua opinião, quais são os desafios da comunicação no Terceiro Setor e quais seriam as soluções para resolvê-los?
Hélio Euclides: Sempre quando vou em debates, tem essa colocação. Como solucionar a questão financeira, patrocínios, viver de comunicação comunitária? Na maioria das vezes, isso acontece no Maré de Notícias. A instituição sempre pensou na parte de pagamento. A gente nunca passou por um momento difícil. Sempre recebemos nosso salário, mas tem muitos colegas que têm uma profissão fora da comunicação comunitária para sustentar esse sonho, falar da favela onde mora. Eu penso muito nisso, que se possa criar uma associação de comunicação comunitária, ou algo assim, porque não existe. Em que a gente possa, unidos, construir esse projeto de captação de recursos para jornais, rádio, internet, TV, tudo o que envolver comunicação comunitária. Ter esse olhar de captação. E, também, a publicidade governamental. Tanto municipal, estadual e federal. Porque a gente faz isso voluntariamente, gratuitamente. Por exemplo, quando a gente fala de vacina, a gente não recebe um centavo, enquanto o governo paga empresas grandes. Então, a gente precisa que a sociedade olhe para a comunicação comunitária e entenda a importância. Acho que é isso que a gente precisa hoje, pensar na captação de recursos e de mostrar à sociedade a importância de olhar a parte financeira da comunicação comunitária.
Sobre a Redes da Maré
A Redes da Maré é uma organização da sociedade civil, que produz conhecimento, projetos e ações, através de cinco eixos de trabalho estruturais, em busca de qualidade de vida e garantia de direitos para os mais de 140 mil moradores das 15 favelas da Maré. Nasceu da mobilização comunitária a partir dos anos 80 e foi formalizada em 2007. Tem como missão tecer as redes necessárias para efetivar os direitos da população do conjunto de favelas da Maré.
https://www.redesdamare.org.br/br/
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