sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Líder comunicador: experiências e desafios na gestão de ONG

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No livro “O gerente comunicador: um guia prático da Comunicação Gerencial” (Aberje, 2010) um líder estrategista deve possuir as seguintes competências: se relacionar com pessoas, tecnologias e finanças; apurar, comunicar e receber informações; sintetizar, analisar e criar processos; comandar rede de assessores; ser equidistante e imparcial para tomar decisões, principalmente nos momentos de crise.

A partir desta afirmação, assumimos que um bom gerente e líder comunicador deve ser estrategista a tal ponto de estar sempre buscando aprender algo novo. Aqui queremos destacar aquele profissional de comunicação que acrescenta outras formações acadêmicas e faz uso das experiências de vida e profissional para ter êxito na carreira. São comunicadores que estão em cargos de liderança, não de uma equipe de comunicação, mas que estão à frente de uma organização social do Terceiro Setor. É o caso do gestor de Projetos Sociais e fundador da Agência do Bem, Alan Maia. Graduado em Publicidade e Propaganda e Mestre em Serviço Social pela PUC-Rio, especializado em Gestão Estratégica de Organizações pela Harvard Business School, foi orador de turma da faculdade, laureado com o Prêmio Lions Humanitário e por seis vezes teve projetos premiados com o Troféu Responsabilidade Social. Alan, aos 43 anos, é professor de pós-graduação, fellow da Fundação Ford, nomeado Liderança Pública pelo Movimento Recomeça Rio, e é membro do time de consultores do Instituto Ethos - Empresas e Responsabilidade Social.


Confira, a seguir, a entrevista.


Gecom: Qual foi sua principal motivação para criar a Agência do Bem?


Alan Maia: A Agência do Bem é fruto de uma sequência de eventos de um histórico de engajamento social, voluntário, que vem desde a minha adolescência. Sou oriundo da região de Jacarepaguá, onde desde menino, por influência da minha família, eu me envolvia na condição de educador popular com atividades contínuas em comunidades e favelas. Sou filho de uma classe média baixa e como em todo o Rio de Janeiro, cercado por territórios “favelizados”, pelas comunidades e, desde muito menino, então, tenho contato com essa realidade. Tomei para mim um sentido de solidariedade, indignação e desejo de contribuir para a transformação da realidade social do país, de forma diferente, de forma inclusiva, dar oportunidade para todos com justiça social no seu mais amplo entendimento. Por conta disso, ainda jovem-adulto, a minha carreira profissional acabou se direcionando para a área social. A minha formação original é como comunicador, como publicitário, mas poucos anos depois de formado, eu voltei às fileiras universitárias. Fui fazer um mestrado em Serviço Social. Isso já se vão cerca de vinte anos e dali em diante eu não fiz outra coisa que não fosse trabalhar com gestão de projetos sociais. A Agência do Bem surge nesse movimento, numa busca pessoal, não somente minha, mas dos amigos que me acompanharam nessas iniciativas voluntárias desde a adolescência. Estava terminando o mestrado em 2005, muitas reflexões, observações, aprendizados, trabalhando no campo, trabalhando diretamente já na área social, desafiei o grupo. Propus de a gente institucionalizar os nossos esforços e, ao invés de atuarmos de uma maneira "informal" para outros projetos, outras organizações, que a gente tivesse a oportunidade de institucionalizar mesmo a nossa própria iniciativa e, dessa forma, surgiu a Agência do Bem, em 2005.


Gecom: Como a formação em Publicidade tem contribuído para o seu trabalho de gestão da Agência e quais são seus desafios nessa função de gestor da ONG?


Alan Maia: Eu acredito que a formação em comunicação, na verdade em publicidade, em particular, tem um caráter generalista. Quer dizer, a gente pode atuar num mercado muito amplo e, na vertente da publicidade, a gente também tem a dimensão comercial do marketing. São princípios que se aplicam a toda e qualquer organização com ou sem fins lucrativos. Eu entendo que seja uma formação generalista e que no terceiro setor também se faz. Não apenas ao sentido de encaixe, mas até uma necessidade grande, porque as organizações do terceiro setor muitas delas são criadas de forma voluntária, espontânea, com boa fé, mas às vezes sem estrutura, sem estratégia, sem a capacidade de gestão necessária com até esse sentido de conhecimento de comunicação, de marketing, um tino "comercial", no sentido de buscar os recursos que servirão para manter a sustentabilidade e a vida do financiamento das atividades dessa organização, dessa entidade. Então, eu vejo como uma formação que me foi muito útil. Eu me vejo em vários momentos atuando na Agência do Bem, ou para outros projetos que atuo como consultor, como voluntário - porque sou membro de conselhos -, como alguém da comunicação, como alguém da publicidade e do marketing, aplicando ferramentas que essa minha formação profissional me conferiu. Estratégias que essa vida profissional, também nesse ramo, me prestou de experiência aplicados ao trabalho de realidade social, a realidade do terceiro setor. Então, se não é uma formação, a princípio, pensada com essa finalidade específica, eu particularmente me sinto muito bem preparado pelo meu background profissional na área de comunicação e com uma possibilidade de utilização disso no universo do terceiro setor muito rica, muito ampla. Eu diria que certamente muito útil em tudo aquilo que eu faço.


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Gecom: Fale um pouco sobre a Escola de Música e Cidadania e como ela tem impactado positivamente as comunidades em que atua.


Alan Maia: A Agência do Bem tem por missão promover o desenvolvimento humano e a cidadania para as populações de baixa renda por meio da educação. Então, ao longo desses quase 17 anos de história, a gente desenvolveu diversos projetos educacionais. Mas aquele que mais se fortaleceu, se notabilizou, que a gente pode chamar de carro-chefe da Agência do Bem, é esse projeto de educação musical, as Escolas de Música e Cidadania, que a rigor, o propósito dele é a formação cidadã por meio do ensino da música. Então, a gente tem o foco na formação humana, cidadã, dos nossos alunos, das nossas alunas. É um projeto que tem hoje um alcance bastante grande. Está em 27 comunidades, em seis estados do Brasil, de norte a sul. São cerca de dois mil alunos atendidos este ano de 2022. Atividades semanais, contínuas, o ano inteiro. É um projeto bastante amplo, bastante complexo, mas que tem resultados incríveis. A gente atende alunos de 7 a 17 anos, desde a infância até o encaminhamento da vida adulta, da vida profissional, inclusive daquele aluno que tem aptidão, tem talento, tem o desejo em seguir carreira no ramo artístico. A gente tem, além do ensino de base, do técnico-musical, temos a formação humana, cidadã, a gente também fomenta a formação de grupos, bandas, basicamente grupos orquestrais. O principal deles está aqui no Rio de Janeiro, que é a Orquestra e Coro Nova Sinfonia, que tem mais de 10 anos da sua formação inicial. Centenas de alunos passaram por essa orquestra e grande parte dele vive da música. São musicistas de orquestra, estão fazendo universidade de música, estão estudando fora do país, estão dando aula de música, seja em particular, em escola de música, em escolas regulares, outros projetos… Inclusive temos alunos que foram formados por nós mesmos, foram pra universidade, voltaram e, hoje, tão dando aula em nosso próprio projeto. É um projeto super bem-sucedido, premiado. Em termos de impacto social, o nosso levantamento mais recente, indica que em três principais indicadores, comparados com os indicadores nacionais do nosso país, um aluno da Escola de Música e Cidadania da Agência do Bem tem nove vezes menos chance de repetir de ano na escola, 53 vezes menos chance de gerar uma gravidez na adolescência e índice zero de envolvimento com criminalidade ou atos infracionais. Enfim, é uma iniciativa das mais bem-sucedidas e que nos enche de orgulho.


Gecom: De que forma a comunicação contribui para os resultados deste projeto e da Agência do Bem?


Alan Maia: Um dos grandes desafios do terceiro setor é profissionalizar seu quadro e conseguir aplicar ferramentas de gestão e um olhar de longo prazo e estratégico em tudo que se faz. Isso não é fácil, porque a maioria das organizações começa muito pequena. Então, às vezes, falta mão de obra, falta qualificação dentro do grupo, falta tempo, falta "braço", para além de dar conta da demanda do dia-a-dia, para o atendimento da população, das condições, das rotinas mesmo, mais emergenciais, administrativas e tudo o mais. Quando a gente começa a pensar nessas outras coisas, elas demandam mais tempo, elas demandam contribuições mais sofisticadas muitas vezes. Então, não é fácil para uma organização pequena, para uma organização com recursos limitados, para uma organização que não tem uma esteira de vida, uma história, uma trajetória muito longa se dedicar a isso. Encontrar recursos, pessoas que possam desenvolver toda essa dimensão estratégica institucional. Eu tendo a crer que uma comunicação quando bem feita consegue ampliar a visibilidade dos projetos institucionais para um público maior, consegue promover um engajamento, também, mais qualificado para aquele público que já conhece, já acompanha, consegue trazer visibilidade para a organização, para o conjunto da sociedade, para outros públicos, potenciais doadores, potenciais parceiros. A comunicação bem feita, também, tende a engajar o patrocinador quando ele vê a marca dele aplicada de forma correta, presente de uma forma esteticamente bem feita, estrategicamente bem colocada, bem posicionada. Uma série de requisitos que uma comunicação bem planejada é capaz de trazer retorno para alavancar oportunidades, atrair recursos, seja humano ou financeiro, contribuir para o sucesso e para a longevidade da instituição.

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Gecom: O que você recomenda aos profissionais de comunicação que estão ou almejam alcançar um cargo de gerência de ONG?


Alan Maia: Esse não é um encaminhamento natural. Via de regra, profissionais de comunicação, quando estamos estudando, recém-formados, em qualquer carreira, a gente tende a visar aquelas inserções, aquelas colocações que trazem mais status. A gente quer trabalhar numa televisão, numa grande agência, quer trabalhar no setor de marketing, de comunicação de uma grande marca, de uma grande multinacional, por exemplo. No terceiro setor, eu tenho uma grata alegria de vez por outra receber colegas não somente da comunicação, mas do mercado em geral, querendo fazer uma transição de carreira. Mas isso costuma se dar com o avançar da experiência, na transição da primeira para a segunda década de vida profissional, geralmente na casa dos trinta anos. Ainda não é muito natural, infelizmente, a gente encontrar entre universitários, entre aspirantes a uma carreira na área de comunicação, fazer essa formação e se dedicar já de pronto para o terceiro setor. Mas sempre quando aparecem profissionais buscando uma transição de carreira, geralmente o discurso é: uma busca de propósito, ou seja, tudo aquilo que minha vida me ofereceu, a formação que eu tenho, a rede de relacionamentos, capacidade técnica, trabalho, enfim, quero colocar isso a disposição de uma causa, de um propósito maior do que enriquecer meu chefe e pagar as contas da minha casa. Muitos que chegam no terceiro setor, mais cedo ou mais tarde, buscam algum tipo de colocação diante da vida, diante da existência, algum princípio filosófico, religioso até que venha a abraçar. Acho que todos nós temos alguma coisa a testemunhar nesse sentido. Eu mesmo tenho um caminho parecido, ainda que precoce. Cada um tem o seu tempo e é muito bom quando chega. Mas eu diria que o importante, e é uma carência do setor, é que haja profissionalização. Então, quanto mais gente qualificada chegar para trabalhar no terceiro setor, melhor. A área de comunicação das organizações sociais, sem dúvida, reflete esse sentido de carência. Eu não tenho dúvida de que há espaço e há necessidade mesmo de que as organizações do terceiro setor incorporem nos seus quadros profissionais de comunicação. É um ramo a ser desenvolvido e a gente precisa de gente nova, sangue novo, pensando e trazendo esse sentido de paixão, esse sentido de vocação para o trabalho social. Porque isso é capaz de fazer a diferença. É isso que nos ajuda nesse grande movimento de transformação, de luta, por um mundo melhor, para uma sociedade mais justa. Eu espero que muitos colegas comunicadores possam se juntar a nós.


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